Moda e Gênero: um cara entra em 10 lojas e prova 20 looks femininos – O Cara Fashion

Moda e Gênero: um cara entra em 10 lojas e prova 20 looks femininos

O publicitário e ator Marlon Moro fez um experimento muito interessante, ele entrou em 10 lojas na Oscar Freire em São Paulo e provou 20 looks femininos, confira a matéria feito por ele em seu site “” e veja o resultado dessa aventura.

Texto: Marlon Moro
Fotos: Felippe Canale

Dez lojas, vinte looks femininos e nenhuma vergonha na cara. Afinal, como disse o cantor americano Iggy Pop, “Eu não tenho vergonha de me vestir como mulher, porque não acho vergonhoso ser mulher”.

Estamos constantemente passando por transformações em vários âmbitos da sociedade e a moda acompanha estes movimentos ao ser questionadora e, por vezes, até provocativa. Entre as tendências, atualmente a moda brasileira já apresenta marcas com coleções 100% unissex, como a Ocksa, grife gaúcha com mais de três anos de estrada, e também a New Other, que terá a sua coleção de estreia no inverno de 2016.

Mas será que as pessoas estão realmente preparadas para isso? Qual seria a sua reação caso um homem entrasse em uma loja para provar roupas consideradas femininas? Ou melhor, já pensou se você pudesse entrar em qualquer loja e provar tudo o que quisesse, independente da moda, corte ou modelagem? Infelizmente, desde cedo somos doutrinados pela sociedade quanto a maneira que devemos nos vestir. Se você reparar, as lojas infantis são separadas por alas: a feminina, com quase tudo rosa, e a masculina, com quase tudo azul. Quando crescemos, as coisas não variam muito.

Diante desses questionamentos, resolvi entrar em 10 lojas da rua Oscar Freire, em São Paulo, e provar dois looks femininos em cada uma delas, totalizando vinte durante todo o processo da pesquisa. A escolha desta rua não foi ao acaso. Foi justamente por ela estar localizada num ponto da cidade em que a diversidade e a moda deveriam desfilar de mãos dadas.

Para clicar as reações dos(as) vendedores(as), levei comigo o Felippe Canale. Sempre com a desculpa de me mostrar o caimento das peças, ele dizia “Deixa eu fazer uma foto com o celular pra você ver como ficou”. Registro aqui que procurei peças que caberiam nas proporções do meu corpo e, acima de tudo, em momento algum usei um tom de brincadeira ou fui desrespeitoso com os(as) vendedores(as). Apenas usufruí do meu direito de consumidor de provar toda e qualquer peça que estivesse exposta nas lojas.

OSKLEN

Quem nos atendeu foi o vendedor João Sarturetti. Quando entramos na loja, escolhemos algumas peças femininas e outras masculinas, mesclando propositalmente o uso delas. O vendedor nos mostrou vários modelos e foi muito dedicado em tentar entender o meu gosto. Em momento algum ele ou os outros vendedores agiram de maneira que pudesse me deixar constrangido, mesmo quando eu andava pela loja usando os vestidos. No final do atendimento, quando eu disse que se tratava de uma matéria, ele ficou bastante surpreso. “Não estou aqui para julgar nenhum cliente. O meu trabalho é auxiliá-lo nas escolhas das peças que ele mesmo decidir”. Apesar da surpresa, o João topou ser clicado ao meu lado.

osklen

LE LIS BLANC

Entramos na loja e fomos atendidos pela vendedora Ana:

– Olá. Eu posso ajudar?
– Sim. Queremos ver um vestido pra mim. Tem algo no meu tamanho?
Por incrível que possa parecer, ela teve uma reação quase teatral e chegou a engasgar:
– Vestido? Um vestido pra você?
– Sim, pra mim.
– Ah, tá. Um momento, vou ver no estoque.

Como num passe de mágica, ela sumiu e ficamos uns cinco minutos vagando pelas araras. Uma outra vendedora, que não sei o nome, se aproximou:
– Vocês estão perdidos ou procurando um presente?
– Oi. Então, a vendedora Ana estava nos atendendo, mas ela sumiu. Eu quero provar esta peça aqui! – eu disse enquanto segurava um vestido amarelo bem largo na minha mão.
Mais uma vez, o meu desconforto foi grande, pois a vendedora fez questão de arregalar os olhos, franzir a testa e dizer:
– Ok, mas vou ter que pedir pra você usar um provador que fica na ala masculina aqui da loja. Muitas pessoas não sabem, mas aqui ao lado temos um setor masculino. As minhas clientes são tradicionais e elas podem se assustar ao verem um homem provando este tipo de peça. Me acompanhem, por favor.

Entrei no provador e ouvi ela dizer para o Felippe:
– Sabe, aqui na loja nós temos um vendedor assim, igual a vocês. Mas ele é mais discreto, não se veste assim não.
– Um vendedor assim como? Não entendi. – disse o Felippe.
– Ah, do mesmo jeito que você e do seu amigo. Aqui a gente não tem preconceito, a gente aceita bem até.
– Ah, que bom saber que vocês são evoluídas. Pode não parecer, mas muitas pessoas tem um preconceito enrustido e nem se dão conta disso. Parabéns, viu!

Saí do provador e perguntei:
– E aí, ficou bom?
Neste mesmo momento a Ana havia voltado com um vestido preto nas mãos:
– Encontrei apenas este aqui. Ah, não sabia que você já estava provando. Vai querer levar?
– Ainda não decidi. Eu tinha visto um vestido pink bem largo na arara. Você pode trazer pra mim, por favor?

Provei, o Felippe fez os cliques com a mesma desculpa de eu ver nas fotos o caimento de ambos no meu corpo e nos dirigimos ao caixa.

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– Vou levar este amarelo. Aceita cartão?
– Sim, sim. Um momento, vou verificar o valor no cadastro.

Neste momento, as vendedoras começaram a rir e nem mesmo tentaram disfarçar. Dá uma olhada nas fotos.

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Eu disse que havia mudado de ideia e que não iria mais realizar a compra. Elas pareceram não se importar e fomos para a segunda loja.

JOHN JOHN

Fomos recepcionados pela vendedora Leticia Canella. Escolhi algumas peças femininas e perguntei:

– Posso provar?
– Claro. O provador fica aqui ao lado. Acho que este shorts jeans que você pegou vai ficar pequeno, mas eu vou buscar um número maior enquanto você prova as outras peças.
Saí do provador, o Felippe fez os cliques e a Letícia chegou.
– Opa, pelo que vi o shorts serviu, né? Ficou bacana com esta blusa por cima. Você vai querer provar o maior? Temos de outras cores também, vou lá em cima pegar no estoque, já volto.

Expliquei pra ela que se tratava de uma matéria e ela deu risada:
– Jura? Poxa, não acredito.
– Você não desconfiou de nada?
– Não. Inclusive, tenho alguns clientes que as vezes compram calças femininas. Dependendo do corte, elas vestem bem em corpo masculino, porque a cintura fica mais baixa e tal. Enfim, o importante é se sentir confortável com a roupa. Tá aí o click dela ao meu lado.

jonh-jonh

ANIMALE

A loja estava cheia de clientes. Fomos atendidos pela vendedora Mislene Oliveira que, mesmo atendendo outras pessoas, perguntou se poderia nos ajudar.

– Sim, estou procurando saias.
– Qual tamanho você usa? Acho que 42, né? Como você prefere? Mais alta, curta, longa?

Escolhemos algumas peças e ela nos acompanhou até o provador:

– Meninos, eu estou um pouco ocupada, mas podem me chamar a qualquer momento. Eu já volto.

E sim, menos de três minutos depois ela voltou:

– Olha, eu sei que você está procurando saias, mas dá uma olhada neste macaquinho amarelo. Talvez fique bom. O que você acha?

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Provei, fizemos os cliques e abrimos o jogo explicando que tudo fazia parte de uma matéria. Ela riu, nos ofereceu um café e fomos embora.

IÓDICE

A vendedora Andressa Vieira nos atendeu:

– Olá, tudo bem? Posso ajudar?
– Sim, eu to procurando um vestido que seja mais sensual. Pode ser curto, mas eu queria em tons escuros. Tem algo assim?
– Temos sim. Talvez aqui nas araras não tenha nada no seu tamanho, mas eu vou buscar no estoque. Vocês aceitam uma água ou café enquanto isso?
Todo o atendimento ocorreu de maneira bem natural. A Andressa não parava de trazer peças do estoque e fez várias sugestões. Quando falamos que se tratava de uma matéria, ela pareceu ficar confusa. Pedimos pra tirar uma foto dela e ela respondeu:
– Só se eu puder passar um batonzinho antes.

iodice

ROSA CHÁ

Fomos atendidos pela Olivia Dutka. Como a loja só vende roupas femininas, esperamos que ela nos perguntasse se estávamos atrás de algum presente. Porém, ela foi neutra:

– Olá, tudo bem? Fiquem a vontade, se precisarem de algo, é só me chamar.
– Sim, eu estou procurando saias, vestidos ou algo que me vista bem.
– E como você prefere? Algo mais soltinho ou peças que tenham o corte mais justo ao corpo?
Por um momento fiquei em dúvida e ela falou:
– Bom, vamos provar algumas peças e você vai me dizendo se gosta ou não. O que acha?
Eu topei e caminhei em direção ao provador enquanto a Olivia escolhia algumas roupas das araras. Enquanto ela estava no estoque, comentei com o Felippe:
– Nunca provei tantas roupas na minha vida. To me sentindo uma boneca Barbie.
– O Ken.
– Quem?
– O boneco Ken. Mesmo que as roupas fossem da Barbie, você continuaria sendo o Ken. Mas se você quiser ser a Barbie, pode também. É só ser feliz!
Demos risada e quando a Olivia voltou, provei os dois look abaixo:

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Quando perguntei qual tinha ficado melhor, ela me devolveu uma pergunta:
– Com qual você se sente mais confiante?

Apenas revelei que tudo se tratava de uma matéria e a vendedora pareceu ficar desapontada:
– Poxa, que pena! Iria adorar ter mais clientes que provassem de tudo, independente de ser blusa, calça ou vestido.

RICHARDS

A vendedora parecia estar mal humorada desde o começo do atendimento. Ela não perguntou o nosso nome e também não disse o dela.

– Posso ajudar?

– Sim. Eu gostei deste vestido estampado azul e branco.
– Qual o tamanho?
– Eu acho que G.
Ela se virou e foi embora. Voltou minutos depois com o vestido.
– Aqui, este é o G.
– Eu posso provar?
– É pra você?
– Sim, é pra mim.
– Beleza. Tem um provador masculino no andar de cima. Sobe lá.
Nós subimos e provei o vestido. Ao sair do provador, pedi pro Felippe me ajudar com o zíper, mas ele disse que preferia chamar a vendedora. Foi neste momento que passou uma funcionária que parecia ser a responsável pela limpeza, pois ela tinha um espanador nas mãos. Ela disse:
– Você quer ajuda, meu filho?
– Sim, eu to tentando fechar o zíper aqui das minhas costas.
– Ah, deixa que eu te ajudo.

Ela fechou o meu zíper e eu perguntei:
– E aí, o que você achou?
– Eu que te pergunto. Você gostou?
– Sim, eu gostei.
– Então é isso o que importa. – disse ela sorrindo.
Fizemos os clicks e em um deles dá pra ver que ficamos sozinhos no andar de cima.Descemos pro andar de baixo e os vendedores estavam conversando entre si e dando risada. Ficamos ainda mais alguns minutos na loja, mas nenhum deles veio nos atender. Fomos embora.

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BOBÔ

Entramos na loja e a vendedora Marcela Brito não pareceu ficar surpresa quando dissemos que estávamos procurando por vestidos. Frisamos que era pra mim e ela disse:

– Eu sugiro provar, porque só assim vamos saber o caimento no corpo.
A Marcela foi até o estoque e trouxe diversas opções. Entrei no provador e escutei ela perguntando para o Felippe:
– Qual o estilo dele? Acabei nem perguntando, né! Ele é mais clássico ou mais moderninho?
– Ah, ele é meio periguete. Eu avisei que aqui os vestidos eram mais clássicos, mas mesmo assim ele quis entrar pra provar.
– Hum, é, realmente esta loja é mais clássica mesmo. Vou tentar trazer um vestido vermelho. Quem sabe ele goste da cor.

Pensei em usar um dos vestido pra enforcar o Felippe, mas acabei provando o vermelho. Depois disso, explicamos que tudo se tratava de uma matéria. Sim, o vestido vermelho é este abaixo.

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Confesso que me descobri mais clássico, pois preferi o branco.

CALVIN KLEIN

Karina Gerônimo foi a vendedora que nos atendeu. Logo que entramos, já fui direto ao assunto:

– Estou à procura de um vestido bem curto. É pra mim mesmo! Tem algo que eu consiga usar com shorts ou bermuda por baixo?

– Acredito que o seu tamanho deva ser o G, mas talvez nem todos os modelos te sirvam. Você tem os ombros largos. Faz assim, posso ir no estoque procurar vestidos que tenham os cortes mais amplos?
E foi isso que ela fez. Acabei provando os dois abaixo.

O atendimento foi rápido e prático. A Karina foi simpática e atenciosa. Depois que revelamos que tudo fazia parte de uma matéria, ela só deu trabalho na hora de clicar a foto com ela.

– Ai, esta luz não ficou boa. Podemos fazer mais cliques até eu escolher uma foto que fique boa? Quatro tentativas depois, deu tudo certo.

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MARA MAC

Entrei e comecei a olhar as peças nas araras. Fomos recebidos pela vendedora Márcia Lolato. Ela perguntou se eu já conhecia a loja e respondi:
– Não, não conheço. Mas adorei as estampas, acho que usaria todas. Ela levou uns 3 segundos pra entender, mas teve uma reação bem natural e sorriu:
– Ah, então é pra você mesmo? Então fica mais fácil de acertar. Difícil é quando é para presente, né!
Isso fez com que eu ficasse ainda mais à vontade. Escolhi dois modelos e fui até o provador. Quando saí para mostrar o primeiro (vestido branco), percebi que a gerente da loja estava do lado de fora esperando. Ela olhou e disse:
– Nossa, pensei que fosse ficar um pouco apertado, mas não ficou. Até ia sugerir um tamanho maior, porque vestido tem que ser confortável. Senão a gente usa uma única vez e depois abandona dentro do guarda-roupa.

O segundo vestido tinha uma espécie de camisa transparente para se usar por cima (foto central). Antes que eu perguntasse algo, a Márcia veio me mostrar numa revista um editorial com modelos usando roupas parecidas. Apesar das modelos serem mulheres, altas e magras, ela tentou ilustrar de forma simples o que eu precisava entender:

– Tá vendo. Com a camisa fica mais discreto e elegante, além de proteger um pouco do frio. Já sem a camisa, como o vestido tem as alças finas, fica um look mais verão. Dá pra você usar em quase todas as estações do ano.

Pela primeira vez, quase esqueci que estava ali fazendo uma matéria. Fiquei imaginando todas as pessoas que já deixaram de entrar numa loja ou de comprarem algo com medo de serem julgadas já pelo vendedor.

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Contei isso pra Márcia e agradeci pelo atendimento.

Achei a esse experimento que os caras fizeram incrível, pois a discussão moda e gênero deve ser mais abordada e debatida. Ver a reação dos vendedores nessa situação nos faz questionar se o mercado de moda brasileiro está preparado para receber esse cliente, e com isso repensar o treinamento dado aos vendedores.

Para conhecer mais o trabalho do Marlon e do Felippe acesse o site deles eaiconteudo.com.br

Fabiano Gomes

Formado em Biblioteconomia e Ciência da Informação (UNIRIO) pegou seu conhecimento de pesquisador da informação e mergulhou de cabeça no Universo Fashion. Cansado de buscar informação relevante de Moda Masculina em blogs e sites brasileiros, decidiu criar o blog para suprir a própria necessidade e informação de moda para os homens pelo mundo em 2012. Carioca, hoje morando em São Paulo, dedica-se 24/7 ao O Cara Fashion além de trabalhar como Bibliotecário com Educação Infantil, Diversidade e Inclusão.

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