Localizado no bairro do Bixiga, em São Paulo, um sobrado de três pavimentos divididos em oito salas preserva um capítulo fundamental da história do teatro brasileiro. Somados figurinos, adereços e objetos de cena, a Casa de Acervo. Oficina, lançada oficialmente em evento com artistas e jornalistas no dia 22/10, reúne mais de 3 mil itens que marcam as últimas três décadas da companhia, período em que foram encenados, entre outros, espetáculos emblemáticos como Hamlet (1993), Cacilda! (1998), Os Sertões (2000-2007), O Rei da Vela (2017), Roda Viva (2018), Esperando Godot (2022) e Mutação de Apoteose (2023/2024). O acervo é disponibilizado ao público em visitas guiadas, que poderão ser agendadas a partir de novembro, e pela plataforma digital, em constante atualização no site ttps://www.acervo.teatroficina.com/.

O espaço, que funciona a menos de 1km da icônica sede do Teatro Oficina projetada por Lina Bo Bardi e Edson Elito, foi criado para abrigar, preservar e organizar esse patrimônio cultural que hoje alimenta tanto a memória histórica quanto novas criações artísticas. Inaugurada em 2023, a Casa de Acervo.Oficina vem se consolidando como um núcleo de memória e pesquisa onde o passado, presente e futuro dialogam. Figurinos usados em montagens históricas podem ser locados e incorporados a novas encenações, assegurando vitalidade às coleções.
“O acervo é fundamental não só pela memória, mas porque também alimenta as novas produções. Às vezes, um figurino criado décadas atrás continua a entrar em cena. É um patrimônio vivo em expansão constante. Preservar esses itens é preservar um pedaço da identidade cultural e histórica do teatro brasileiro e do teatro paulista”, explica a diretora de cena e diretora-geral da Casa de Acervo.Oficina, Elisete Jeremias, que conta com um núcleo de sete artistas da CIA. Uzyna Uzona e a contribuição de dez profissionais e estudantes das áreas de Moda, Biblioteconomia e Museologia que integram a equipe de catalogação da reserva técnica do Teatro Oficina.
Contemplada pelo edital ProAC 38/2024 da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo, a Casa de Acervo.Oficina vislumbra agora novos horizontes de difusão da memória da companhia paulistana por meio da aprovação de um projeto intitulado Plano de Preservação e Catalogação do Acervo do Teatro Oficina. Com duração de 12 meses e encerramento em março de 2026, a iniciativa estabelece três eixos, detalhados a seguir:
Preservação e Conservação de Acervo Têxtil
Dentro deste eixo diversas atividades formativas estão sendo desenvolvidas. A primeira delas, uma Oficina de Conservação e Restauração de Têxteis ministrada por Cláudia Nunes, referência internacional da área que se tornou consultora do projeto. A partir dessa oficina a equipe pode aprofundar conhecimentos sobre os cuidados necessários para a preservação dos figurinos, acessórios e objetos do acervo e está realizando ações para colocar esse aprendizado em prática, como a confecção de itens para o acondicionamento adequado das peças da casa.
“Cláudia trouxe para nós não só técnicas, mas uma sabedoria de 40 anos de experiência em projetos de restauração no Brasil e fora do país. Ela já restaurou até mesmo um lenço de Dom Pedro II. O convívio com a Cláudia nos fez entender ainda mais a grandiosidade do trabalho que estamos realizando”, afirma o ator Victor Rosa, que integra o Oficina desde 2018 e é coordenador-geral do acervo.
Catalogação do Acervo de Figurinos
Neste eixo do projeto cada uma das peças de figurino do Teatro Oficina é identificada e catalogada pela equipe da Casa de Acervo.Oficina, utilizando a Plataforma Tainacan, uma ferramenta digital desenvolvida pela Universidade de Brasília (UnB) em parceria com o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e outras instituições. Especialmente voltada para museus, bibliotecas, arquivos e outras organizações que possuem coleções de itens culturais, históricos, científicos ou artísticos, a Tainacan promove a preservação digital e o acesso gratuito ao patrimônio cultural pelo público.
A equipe de catalogação conta com um grupo de participantes da oficina ministrada por Cláudia Nunes, que está fotografando e preenchendo todos os formulários necessários sobre cada peça para inclusão no acervo digital. Esta equipe é a espinha dorsal científica e prática da Casa de Acervo.Oficina. São mãos e mentes que descrevem, organizam, fotografam, digitalizam e tornam visível cada peça. Sem sua dedicação o sonho da preservação e da difusão não se realizaria. Cada registro no Tainacan, cada costura ou ajuste técnico é também um ato de resistência cultural. São pesquisadoras, guardiãs e semeadoras: garantem que a memória teatral não apenas se conserve, mas também floresça em novos tempos.
“Estamos deixando um bem cultural para o futuro. Escolas de moda, estudantes de artes cênicas, pesquisadores e público geral poderão acessar esse material com informações completas, enriquecendo o estudo da linguagem da companhia”, defende Victor.
Adequação da Infraestrutura da Casa do Acervo
Transformar uma casa em um ambiente que abriga um acervo requer uma série de ações cuidadosamente planejadas e executadas para preservar tanto a segurança do imóvel como dos itens da coleção. Para tanto, foram realizadas ações de adequação de segurança patrimonial e prevenção contra incêndios, além de espaços para a funcionalidade do trabalho das equipes de catalogação e coordenação. Para garantir a continuidade do trabalho após o término do projeto está prevista a criação de um plano de sustentabilidade econômica para o futuro da Casa.
Além dos três eixos de preservação física, outra vertente do projeto contempla a difusão da memória oral do Teatro Oficina em formato audiovisual por meio do canal de YouTube que veicula entrevistas com figurinistas, criadores e atores que atravessaram décadas colaborando com as produções da companhia. Por meio dessas interações, croquis, programas de espetáculo e outros itens de coleções que estavam aos cuidados de artistas da Cia. e agora passam a integrar o acervo.
No perfil do Instagram @casadeacervo.oficina a equipe de comunicação destaca peças históricas, compartilha bastidores dos processos de triagem, organização e catalogação, apresenta documentos históricos e atualiza os seguidores sobre as novas ativações do projeto em andamento com o apoio do ProAC.
Um trabalho forjado pelo coletivo
O acervo de figurinos do Oficina começou a ser estruturado a partir de 1992, logo após o incêndio que atingiu o teatro e ao longo dos preparativos para a reinauguração com a montagem de Hamlet. Desde então, a preservação foi assumida de forma voluntária e orgânica pelos próprios artistas.
“Esse acervo só existe nas condições em que está hoje porque tivemos o empenho e a dedicação de muitos artistas e profissionais de cena, como Otto Barros e a camareira Cida Melo, que há mais de 25 anos cuida de tudo com uma orientação capaz identificar cada peça por nome de espetáculos, personagens e atores. Sábia, organizada e eficiente, ela é a grande responsável por esse patrimônio”, defende Elisete.
A própria dinâmica criada pela Cia. Oficina Uzyna Uzona, que tem como símbolo uma bigorna que remete à ideia de forja baseada no teatro de grupo, reforça esse caráter colaborativo. Os artistas não se limitam ao palco: também costuram figurinos, organizam o acervo, realizam a divulgação e participam de múltiplas frentes de trabalho. Essa lógica coletiva e horizontal forma profissionais completos, capazes de atuar como atores, diretores, técnicos ou produtores, assegurando a chegada de novas gerações de artistas que dão continuidade ao legado de Zé Celso.
“Entrei na Universidade Antropófaga no pós-pandemia achando que seria apenas um curso de três meses. Mas fui convidada pela diretora Camila Mota para a leitura de um roteiro e acabei estreando na peça Mutação de Apoteose. Foi meu batismo na companhia”, relembra a atriz Larissa Silva, coordenadora de Acessórios e Adereços e braço-direito de Elisete no dia a dia da Casa de Acervo.Oficina.
Como muitos integrantes da companhia, Larissa hoje acumula aprendizados e funções. “Ao longo desses três anos também descobri paixões pela produção e pela direção de cena. Trabalhei na bilheteria, fui assistente de direção de cena com a Elisete e, recentemente, estreei como diretora de cena em Os Sete Gatinhos, atuando e dirigindo ao mesmo tempo”, acrescenta.
Desafios para o futuro
Apesar do respiro temporário proporcionado com o aporte financeiro do ProAC, a manutenção do espaço segue sendo um desafio. A Casa de Acervo.Oficina depende de recursos permanentes para garantir aluguel, remuneração de profissionais e a continuidade de pesquisa e dos processos de preservação e catalogação.
“É muito importante que a gente ressalte a necessidade de apoios públicos e privados, para mantermos de pé essa iniciativa”, alerta Elisete.
A diretora destaca, ainda, que as iniciativas da Casa de Acervo.Oficina são não apenas dos interesses da companhia, mas também de importância vital para a memória da história das artes no Brasil. Afinal, o Teatro Oficina é tombado pelas três instâncias de patrimônio – municipal, estadual e federal – e seu acervo reflete não apenas a história de um grupo teatral, mas um capítulo essencial da cultura brasileira.
“Há 30 anos cuidamos desse acervo, estive temporariamente ausente da companhia , mas muitas mãos de técnicos e artistas passaram por aqui. A preservação dessa história sempre foi e será um esforço coletivo e apaixonado”, conclui Elisete.
Participe, você também, da manutenção do Espaço Casa de Acervo do Teatro Oficina, por meio da chave Pix: casadeacervo.oficina@gmail.com
FICHA TÉCNICA – CASA DE ACERVO.OFICINA
Direção Geral – Elisete Jeremias
Coordenação Geral – Victor Rosa
Gestor – Henrique Pina
Gestão – A Arte da Direção de Cena
Camareira Mestra & Guardiã dos Figurinos – Cida Melo
Audiovisual & Comunicação – Zizi Yndio do Brasil
Ass. Audiovisual & Comunicação – Bianca Terraza
Diretor Executivo da Cia – Anderson Puchetti
Consultoria e desenvolvimento de Planejamento Estratégico, Plano de Curadoria e Plano de Captação de Recursos para o Acervo do Teatro Oficina – Cafira Zoé y Camila Mota
Coordenação de Catalogação de Figurinos, Cenografia e Objetos – Gii Lisboa
Coordenação de Catalogação – Figurinos – Bianca Terraza
Coordenação de Acessórios e Adereços – Larissa Silva
Assessoria de Imprensa & Comunicação – Baobá Comunicação Cultura e Conteúdo
Consultoria – Preservação e Conservação – Cláudia Nunes
Equipe de Catalogação – Plano de Preservação e Conservação do Acervo:
Alessandra Cavaco · Arianne Vitale · Fernanda Pappalardo · Isabela Porto · Mabel Ikeda · Michelle Alves · Sofia Grunewald · Sylvia Prado · Thamires Marques
